sábado, 1 de noviembre de 2008

conversa 1: Arnaldo Antunes

AR DA PALAVRA
Por Paula Taitelbaum
Fotos Letícia Remião
Estilo Zaffari, ano 7 nº 34: 10/10/2005

Procuro uma única palavra: poeta... músico... criador... criatura... titã... Não encontro. E não encontro porque é realmente impossível definir Arnaldo Antunes com uma só expressão verbal. Ele não é rótulo. É puro conteúdo. Arnaldo das muitas palavras: palavra poética, palavra visual, palavra musical, palavra movimento. Nascido Arnaldo Augusto Nora Antunes Filho, esse paulista talvez possa ser definido mais como performer do que como personagem. Se bem que quando não está no palco ou na frente das câmeras, Arnaldo tem uma expressão calma, quase cândida. Conversei com ele na Galeria Bolsa de Arte, um pouco antes da abertura da exposição Palavra Imagem, onde o destaque era uma série caligráfica de monotipias que me lembrou Miró. Nos bastidores da conversa, Arnaldo deu atenção para uma fã, recebeu presentes, foi simpático com todos. O que me fez pensar que talvez exista uma palavra, sim, uma micropalavra contida no seu próprio nome: Ar. Arnaldo Antunes é Ar. Etéreo e fundamental...
Uma imagem vale por mil palavras?
Isso é uma máxima que funciona para uma determinada circunstância. Claro que você ver uma cena pode ser muito mais revelador do que um monte de gente te contar o que tinha naquela cena. Agora, a palavra poética não é bem a palavra, é quase como se ela fosse uma cena. Mesmo quando ela está desprovida do tratamento visual que eu dou, que também é pensado junto, estruturalmente, ela apresenta o mundo muito mais do que diz ele. Então eu diria que sim, uma imagem vale por mil palavras. Mas a palavra poética não seria uma dessas mil aí.
Como é o seu processo de criação?
Depende... Ou o poema já vem impregnado de pensamento visual ou vem o texto primeiro e eu descubro uma forma gráfica. Agora, nesse trabalho de monotipia, quase que o visual vem antes, tem um pré-texto na cabeça, mas o fazer é muito obsessivo, muito físico, muita tinta, acaba sendo um exercício da poesia vindo da coisa caligráfica.
Você fica o tempo inteiro pensando nas palavras, na sonoridade delas?
Eu fico. Na verdade, eu não distingo trabalho de lazer, o meu trabalho é o tempo todo. Hoje, por exemplo, eu acordei com uma idéia, aí fui anotar... Pode ser durante a noite, pode ser andando na rua, essa coisa de as idéias virem... é claro que a palavra em si tem uma dimensão visual, uma dimensão sonora... Os poemas têm uma carga fonética importante...
Como você definiria a sua relação com as palavras.
O código verbal é como se fosse um porto seguro de onde eu parto pra visitar outros códigos. Eu faço música, faço canções, uso a palavra cantada. Faço trabalhos visuais, palavras para serem lidas e vistas ao mesmo tempo. Faço vídeo, a palavra falada em movimento... Eu nunca me senti, por exemplo, artista plástico, o que eu faço é poesia visual. Também nunca me senti músico, no sentido de querer fazer música instrumental. Eu faço canções que têm o uso da palavra associada a todo um universo musical.
Como você se definiria?
Eu faço várias coisas, mas não acho que tenho nenhum mérito por isso. Acho que é apenas uma adequação à época em que a gente vive, onde está se tornando cada vez mais comum esse trânsito por várias linguagens. A tecnologia está resgatando um aspecto meio da comunidade primitiva, onde não havia diferença entre arte e vida, onde a dança era associada à música que era associada ao canto religioso que era associado à prática de guerra e à relação com a natureza... era tudo junto. A civilização foi dividindo os sentidos do homem, e de certa forma a tecnologia foi contribuindo pra gente resgatar um pouco desses laços.
Ok, mas como você se definiria, então?
Não sei... Eu acho que não precisa. Tem uma música em que eu digo: somos o que somos, inclassificáveis. Na verdade, eu estou falando da questão racial no Brasil, mas isso poderia servir para a minha condição estética pessoal, entende? Eu prefiro assim. A necessidade de nomear é sempre redutora, então não precisa disso.
Você tem filhos?
Tenho quatro.
E como é a relação artística entre vocês? Eles inspiram? Você aprende com eles?
Eu sou muito influenciado pelo olhar deles. Eu aprendo tanto com eles quanto eles devem aprender comigo. Espero que eles aprendam alguma coisa comigo... Muito do meu olhar poético vem desse convívio com criança. O olhar da criança é muito virgem, essa coisa de fazer associações com o que vê... Eu já usei literalmente frases dos meus filhos. A própria construção gramatical, por exemplo. Criança fala “beija eu” em vez de “me beija”.
Qual a palavra que você mais usa?
Em português acho que a palavra que a gente mais usa é “é”. Essa maçã “é” vermelha. Isso “é” bonito... Pro chinês e pro tupi não existe o verbo ser como verbo de ligação. Tanto que a gente vê nos filmes americanos índio falando: “maçã vermelha”, “índio bonito”... O ser não tá deslocado da palavra.
Se você pudesse, tiraria o verbo “ser” da nossa língua?
Acho que a gente já tira um pouquinho fazendo poesia...
Existe alguma imagem que venha com freqüência à sua cabeça?
(silêncio) Não...
E uma imagem inesquecível...
O parto dos meus filhos. Assisti a todos e foi uma coisa maravilhosa...
Isso quer dizer que o que torna uma imagem inesquecível é a emoção que está contida nela?
Pode ser, mas eu acho que a memória não obedece tanto à emoção. Às vezes a gente lembra muito bem de coisas irrelevantes emocionalmente, e existem outras coisas que podem ser importantíssimas e que você esquece. Então eu acho que a coisa seletiva da memória não obedece tanto assim à emoção. Mas claro que algumas imagens são marcantes por serem muito intensas.
O que você gostaria de fazer e nunca fez?
Gostaria de saltar de pára-quedas. Tenho vontade e ainda vou fazer.
Qual a sua cor preferida?
Quando eu era criança, verde. E eu me apeguei a isso e acho que continua sendo, mais por um apego com essa coisa da infância.
Você tem fome de quê?
Ah, de um monte de coisas...
Alguma fome mais imediata?
Não, o que eu quero fazer eu estou fazendo... A coisa mais imediata que eu quero fazer é respirar. A consciência disso é importante.
Pra conquistar você, que prato uma pessoa deveria preparar?
Cuscuz de camarão.
Você cozinha?
Adoro cozinhar, mas tenho muito pouco tempo. Então raramente eu consigo ter a serenidade pra fazer alguma coisa e tal, mas quando dá pra fazer é muito bom.
Tem alguma especialidade?
Ah, adoro fazer massas... tem muita coisa... Fazer farofa... Eu sou um bom fazedor de farofa. Você é um apaixonado pelas letras no sentido literal da palavra?
Eu gosto de caligrafia, sou apaixonado por essa coisa da caligrafia desde muitos anos atrás. O meu primeiro livro era todo caligráfico, eu fiz uma exposição de caligrafia no começo dos anos 80... Aí sempre fui fascinado pela escrita antiga oriental, essa tradição milenar, árabe, chinesa, que é maravilhosa. Acabei sempre pensando essa coisa caligráfica como uma forma de entonação gráfica que sugere sentidos para além do que o discurso verbal está dizendo, você teria uma expressividade através da maneira como escreve, curvatura do traço, do tremor da mão...
Você se interessa por grafologia?
Já me interessei, mas é uma coisa mais mística. Mas eu acho interessante porque tem toda uma ciência, e eu já comprei alguns livros de grafologia muito inspirado nisso... Uma época eu também me interessei por taquigrafia, que é uma forma resumida de escrever, escrita rupestre. Esse interesse por caligrafia se desdobra em outros...

fuente http://www.arnaldoantunes.com.br/

1 comentario:

silvia zappia dijo...

un grande,arnaldo.

abrazo*